Entre uma promoção e outra no comércio, é difícil não aderir a um parcelamento alardeado como juro zero. Impulsionada pelo aumento da renda e pelo avanço no nível de emprego no país, a armadilha dos juros embutidos, escondida no desconto à vista, ganha força no comércio. As lojas costumam anunciar o mesmo preço à vista e para parcelamento sem juros, mas é só chorar um pouquinho que o cliente consegue um desconto se comprar em uma vez só. Isso mostra que esse valor menor é o preço real do produto, e o preço cheio embute juros.
"É melhor juntar e comprar por um preço melhor, já que o juro zero é uma estratégia de marketing do comércio"
Bruno Rosa (bruno.rosa@oglobo.com.br)
Em alguns casos, segundo levantamento feito pelo GLOBO em lojas no Centro do
Rio de Janeiro, os juros embutidos chegam a 36% ao ano — ou 2,59% no mês.
Com os últimos aumentos da taxa básica de juros — no mais recente movimento,
a Selic subiu de 12,25% para 12,5% ao ano —, é preciso atenção redobrada na hora
de aderir a financiamentos, sugerem economistas. Mesmo que o repasse da nova
Selic ao consumidor seja pequeno, acaba sendo um custo adicional, elevando o
nível de endividamento.
Em uma grife feminina, com loja no Centro do Rio, o cliente pode comprar
peças no valor de R$ 300 e parcelar em duas vezes sem juros no cartão. Mas à
vista e pagando em dinheiro, diz uma vendedora da rede, há desconto de 5%. Ou
seja, juros ocultos de 2,59% ao mês (ou 35,9% ao ano). Uma mala de viagem em
outro estabelecimento sai a R$ 299,90 em seis vezes sem juros. À vista, o
cliente consegue um preço de R$ 270. Se optar pela opção parcelada, os juros
embutidos chegam a 23,29% ao ano (ou 1,76% ao mês).
Contra o hábito
O especialista em finanças pessoais Gilberto Braga, professor do Ibmec-RJ e
responsável pelos cálculos dos juros embutidos desta reportagem, acredita que o
consumidor faz das compras parceladas um hábito. Por isso, o ideal, continua, é
comprar à vista e aproveitar os preços menores.
— O grande risco que o consumidor corre é de fazer das compras a prazo um
hábito, pagando juros sem saber e, assim, comprometendo seu orçamento e fazendo
dívidas financeiras, em que os juros são mais altos. É melhor juntar e comprar
por um preço melhor, já que o juro zero é uma estratégia de marketing do
comércio — explica Braga.
No ano passado, a psicóloga Leandra Abranches, de 51 anos, parcelou a compra
de dois sapatos e uma blusa em uma loja de departamentos. Pagava prestações de
R$ 85 por mês. Como não conseguiu arcar com todos os custos do cartão de
crédito, que envolvia ainda outras despesas, entrou no rotativo. Conclusão:
juros superiores a 200% ao ano e muita dor de cabeça.
— Você perde o controle, pois não é só uma conta. O cartão engloba uma série
de despesas. Não dá para cair na tentação de sair comprando tudo sem juros. Isso
não existe. Para poder resolver os problemas no cartão de crédito, tive de pegar
dinheiro emprestado com meu filho, pois eu tinha ainda as despesas correntes —
lembra Leandra.
Risco de inadimplência
O problema de Leandra é comum a milhares de brasileiros. Com o aumento
paulatino dos juros no último ano, a inadimplência no país subiu 22,3% nos
primeiros seis meses deste ano em relação ao mesmo período de 2010, mostra a
Serasa. Foi o maior avanço desde 2002.
Mas resistir às tentações do comércio não é tarefa simples. No Centro do Rio,
o perfume francês Azarro de 100 ml em uma perfumaria custa R$ 197, que podem ser
pagos em três vezes sem juros. À vista, o valor cai 5%, para R$ 187. Segundo
Braga, o juro embutido chega a 1,75% ao mês (ou 23,14% ao ano). Uma TV de LCD de
40 polegadas em uma rede varejista é vendida a R$ 1.899 em dez vezes sem juros.
À vista, o valor cai para R$ 1.699 (-10,5%). Segundo Braga, do Ibmec-RJ, os
juros ocultos são de 1,11% ao mês — ou 14,16% ao ano.
Sérgio Bessa, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Management, afirma
que o consumidor tem sempre que pesquisar os preços e tentar optar pelo
pagamento à vista.
— Quem não tem possibilidade de comprar à vista deve dar uma entrada maior
para tentar ter uma redução de juros. O ideal é se programar sempre. O mais
importante é que não adianta aumentar os juros para reduzir a inadimplência,
como o governo vem fazendo. O brasileiro calcula se o valor da parcela cabe no
bolso. Se der, ele financia. Por isso, o ideal é reduzir o número de parcelas.
Só assim, haverá um freio no consumo e um maior controle da inflação — destaca
Bessa.
Miguel José Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos
Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), também ressalta
que o consumidor deve ficar atento às taxas de juros:
— É importante ter em mente as taxas e comparar sempre. Por exemplo, os juros
do cartão de crédito são de 239,03% ao ano, contra 72,53% das linhas de
financiamentos dos bancos.
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