A definição tardia do Judiciário em relação à validade da Lei da Ficha Limpa para as eleições do ano passado pode ter custo de até
R$ 842 mil para o Congresso. Levantamento do iG revela que este
é o valor gasto com verba indenizatória, até julho, por quatro deputados e três
senadores empossados, mas cujos mandatos foram questionados por candidatos
barrados em 2010 pela lei.
Os recursos cobrem despesas como passagens aéreas, correio, telefone,
combustível e manutenção de escritórios nos Estados. Apenas com transporte
aéreo, que inclui desde a compra de bilhete até o fretamento de aeronaves, os
sete ex-parlamentares gastaram, juntos, R$ 198 mil. Já o custeio com a
divulgação dos mandatos chegou a R$ 125 mil.
Fred Raposo
Os dados foram obtidos nos portais da Transparência das respectivas Casas. O
levantamento levou em conta o ressarcimento pedido pelos parlamentares a partir
de fevereiro, quando teve início a nova legislatura. A cota é disponibilizada
mensalmente para custeio de atividades relacionadas ao mandato.
No Senado ela é de R$ 15 mil e na Câmara pode chegar a R$ 34,2 mil,
dependendo do Estado de origem do parlamentar. O gasto dos ex-parlamentares, no
entanto, não é irregular, pois se trata de benefício concedido a congressistas
empossados, previsto no regimento das duas Casas.
Na Câmara, o uso dessa verba no primeiro semestre com os mandatos de Ságuas
Moraes (PT-MT), Professora Marcivânia (PT-AP), Delegado Waldir (PSDB-GO) e Zonta
(PP-SC) chegou a R$ 492,8 mil. A maior parte da verba indenizatória dos
ex-deputados foi usada para bancar gastos com transporte, seja por meio de
aluguel de veículos ou compra de combustível: R$ 180 mil.
Do total com transporte, apenas a Professora Marcivânia usou R$ 63 mil. Os
ex-deputados também gastaram R$ 82,3 mil com contratação de consultorias, R$
75,9 mil com divulgação do mandato e R$ 38,2 mil com ligações telefônicas. Zonta
foi o que teve o maior gasto individual entre os quatro ex-deputados: R$ 143,6
mil.
Posse
Por determinação
da Câmara, os quatro entregaram, na semana passada, os mandatos. Seus
lugares foram ocupados por João Pizzolatti (PP-SC), Janete Capiberibe (PSB-AP) e
Magda Mofatto (PTB-GO), que em 2010, haviam sido considerados “fichas sujas”.
Também foi empossado Nilson Leitão (PSDB-MT), que não era ficha-suja, mas acabou
beneficiado pela validação dos votos de Willian Dias (PTB).
A posse dos deputados ocorreu quase quatro meses após o Supremo Tribunal
Federal (STF) decidir que a Lei da Ficha Limpa não valeu para a última
eleição.
No Senado, três parlamentares aguardam decisão colegiada do STF para saber se
deixam ou não o mandato: Marinor Brito (PSOL-PA), Wilson Santiago (PMDB-PB) e
Geovani Borges (PMDB-AP), que ocupa a vaga de suplente do irmão, Gilvam Borges
(PMDB-AP), licenciado por motivo de saúde.
Juntos, eles pediram no primeiro semestre ressarcimento de R$ 349 mil ao
Senado. A maior parcela foi usada para custear viagens de avião: R$ 133 mil.
Entre os três senadores, Marinor foi a que apresentou a maior conta: R$ 173 mil,
dos quais R$ 79 mil gastos em viagens de avião e R$ 43,6 mil com transporte
terrestre, hospedagem e alimentação.
Justificativas
Os ex-parlamentares ouvidos pelo iG reforçaram a importância
dos gastos com verba indenizatória para cumprir as atividades do mandato e
criticaram a demora do Judiciário a decidir sobre o caso. “Essa demora traz
instabilidade política e jurídica, que desfavorece o interesse público”, afirma
a senadora Marinor.
Sobre os gastos com viagens, ela argumenta que a verba serviu para expandir o
atendimento no Estado. “Na minha campanha, visitei sete dos 144 municípios do
Estado. Desde o início do mandato, visitei pelo menos o dobro”, calcula. “Tem
cidade que não tem aeroporto, onde preciso fretar um carro e, depois, uma lancha
pequenininha, instável, por mais três horas e meia. Sou contestadora do mau uso
do dinheiro público no Senado”.
A Professora Marcivânia diz que o controle da Câmara sobre os gastos com
verba indenizatória é “rígido” e que considera o valor “suficiente para arcar
com os gastos e manter a estrutura” do mandato. Ela defende, principalmente, as
despesas com passagens e divulgação do mandato. “É importante informar a
população do trabalho que é feito em Brasília, para que não haja interpretações
erradas”, afirma.
Ságuas Moraes avalia que o atraso sobre a definição da Lei da Ficha Limpa
trouxe “prejuízo” para o eleitor. “Havia toda uma mobilização da sociedade sobre
uma lei que havia sido aprovada no Congresso. É lamentável que se faça eleições
com uma regra para depois mudá-la”, sublinha.
Licitude
O petista diz ainda que a verba indenizatória é uma forma de se “garantir a
licitude do mandato”. “Não vejo nada de absurdo. Se não fossem esses recursos,
íamos acabar gastando todo o salário, o que poderia levar alguns a buscar formas
não ilícitas de conseguir essa verba”.
A assessoria de imprensa de Wilson Lima disse que o senador estava em viagem
para os Estados Unidos. Mas ressaltou que todos os gastos do peemedebista foram
feitos dentro da legalidade, uma vez que Lima foi diplomado e empossado pelo
Senado, no início do ano. A reportagem não localizou os senadores Gilvam e
Geovani Borges e os deputados Zonta e Delegado Waldir.
Comentários