denuncia ex-parceira de Tim Lopes |
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“Se dependesse da TV Globo, eu estaria morta”. A declaração da
jornalista Cristina Guimarães – vencedora do Prêmio Esso em 2001, junto com Tim
Lopes, pela série ‘Feira das drogas’ – promete causar polêmica e agitar os
bastidores do caso que ficou conhecido em todo o país. De volta ao Brasil após
passar oito anos se escondendo de traficantes da Rocinha, que ameaçavam matá-la
depois de reportagem veiculada no Jornal Nacional, ela conta em livro como a TV
Globo lhe virou as costas e garante que o jornalista poderia estar vivo se a
emissora tivesse dado atenção às ameaças recebidas.
De acordo com
Cristina, sete meses antes de Tim ser morto por traficantes do Complexo do
Alemão, ela entrou com uma ação judicial de rescisão indireta, na qual reclamava
da falta de segurança para jornalistas da emissora. As denúncias integram o
livro que está sendo escrito por Cristina e deve ser lançado nos Estados Unidos,
no início do próximo ano. A obra, segundo a jornalista e publicitária, também
deve virar filme.
“Não dava para escrever meu livro no Brasil. Aqui a
Globo ainda tem uma influência muito forte e a obra poderia ser abafada de
alguma maneira. Com o apoio do governo americano, fica mais fácil lançar nos
EUA”, pondera.
Veja a entrevista
O que motivou as suas denúncias de omissão contra
a TV Globo na Justiça?
Trabalhei durante 12 anos na TV Globo. Em
2001, estava fazendo produção para o Jornal Nacional junto com o Tim Lopes.
Produzíamos as matérias de jornalismo investigativo do telejornal. Quando o Tim
trouxe o material da feira de drogas ao ar livre na Favela da Grota (Complexo do
Alemão), a chefia de reportagem me chamou e perguntou se eu conhecia outras
feiras deste tipo. Respondi que na Rocinha e na Mangueira o mesmo acontecia e a
chefia do JN me pediu para fazer imagens lá. Fui três vezes à Rocinha e duas à
Mangueira, para conseguir um bom material. Na primeira vez que estive nos dois
lugares, reclamaram que as imagens não estavam boas e exigiram que eu voltasse
até o material estar com boa qualidade. O grande problema começou um mês depois
da exibição da série. Comecei a ser duramente ameaçada por traficantes, sem
nenhum respaldo da emissora, e decidi ingressar com uma ação judicial pedindo
segurança.
Quando começaram as ameaças de
traficantes?
Por volta de um mês depois da exibição das matérias,
começaram a me telefonar de um orelhão que fica dentro da Favela da Rocinha me
chamando de ‘Dona Ferrada’ e dizendo que me pegariam. Diziam também que eu não
escaparia, era questão de tempo. Diante das constantes ligações, conversei com a
chefia do JN e pedi proteção. Fui ignorada. Dias depois, sequestraram um
produtor do Esporte Espetacular, o levaram para um barraco na Rocinha. Bateram
muito no coitado. Os traficantes queriam saber se ele sabia quem tinha ido à
favela fazer as imagens, mas o produtor não sabia. Era de uma editoria diferente
da minha e realmente não sabia. O que me assustou foi que a TV Globo não me
falou nada. Eu estava voltando de um mês de férias e soube do episódio pela
Folha de S. Paulo. Quiseram abafar as ameaças e a ligação entre os dois casos:
as ameaças feitas contra mim e o sequestro do Carlos Alberto de Carvalho. O
episódio me deixou ainda mais assustada, porque aí eu tive a certeza de que não
podia contar com a emissora para nada. Procurei a polícia, registrei o caso na
10ª DP (Gávea), mas acho que sentaram em cima do processo. Na verdade, devem
estar esperando para ouvir a outra parte – os traficantes.
(risos).
Então, com a denúncia à polícia as ameaças não
pararam?
Muito pelo contrário. A coisa corria solta e ninguém fazia
absolutamente nada. Mas o que tirou meu sono foi quando prenderam um garoto da
Rocinha que pagava propina a um coronel. Fui cobrir o caso e me desesperei. Ao
encontrar o moleque detido, ele olhou bem para mim e disse ‘É, tia! Eu tô
ferrado, mas tu também tá. Tá todo mundo atrás de você lá na Rocinha. Tua cabeça
tá valendo R$ 20 mil’. Naquele momento, tomei a dimensão da situação em que eu
me encontrava. Ele descreveu a roupa que eu usava quando ia à favela fazer as
imagens. Todo o meu disfarce: meu boné surrado, a bermuda, a cor da
camiseta.
Com o processo você conseguiu desligamento da TV
Globo?
Sim. Por meio da ação judicial que emplaquei no Ministério do
Trabalho, meu vínculo com a TV Globo acabou. Sinceramente, hoje eu tenho mais
medo da TV Globo do que dos traficantes. O traficante pode te ameaçar e ser
violento. No entanto, ele avisa e depois cumpre. A TV Globo é traiçoeira.
Enquanto você é subordinado e faz o que te pedem, você é bonzinho. Já quando
você questiona os riscos que ela te impõe e se nega a fazer alguma coisa por
temer pela sua própria vida, você é tachado de louco. Traficantes me parecem
mais confiáveis.
Você acha que estaria morta se não tivesse
travado uma briga judicial com a TV Globo para não ser mais obrigada a produzir
matérias que colocassem sua vida em jogo?
Já estaria morta há muito
tempo. A Globo não quis saber se eu corria risco de vida. Os meus chefes diziam
que as ameaças que eu recebia por telefone eram coisas da minha cabeça. Não me
arrependo de ter largado a Globo para trás. A minha vida vale muito mais do que
R$ 3.100, que era o meu salário em 2001.
A morte do Tim poderia
ter sido evitada pela emissora?
Sem dúvida nenhuma. Eu falei sobre
os riscos que estávamos correndo sete meses antes de os traficantes do Alemão
matarem o Tim Lopes. Eu implorei por atenção a estas ameaças e o que fez a TV
Globo? Ignorou tudo. Sete meses depois, eles pegaram o Tim. Na ocasião do Prêmio
Esso, antes de o Tim ser morto, eu liguei para ele e o alertei sobre os riscos
de ter exposto seu rosto nos jornais. Na nossa profissão, é preciso ter muito
cuidado para mostrar a cara. É muita ingenuidade achar que traficante não
assiste TV e não lê jornal.
JB
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