Para entidade, Brasil violou direitos humanos de gestantes; mulher de 28
anos morreu em 2002
Ocimara Balmant
Ocimara Balmant
O Brasil foi condenado pela Organização das Nações Unidas (ONU) por violar
direitos humanos de grávidas. A determinação foi divulgada ontem pelo Comitê
para Eliminação da Discriminação contra Mulheres (Cedaw, sigla em inglês).
O caso que levou a essa decisão é o da brasileira Alyne Silva Pimentel, de 28
anos, moradora da Baixada Fluminense (RJ). Ela morreu em novembro de 2002, no
sexto mês de gestação, cinco dias após dar entrada em um hospital público com
sinais de gravidez de alto risco não receber atendimento apropriado.
"A Justiça no Brasil nunca deu resposta. O caso chegou à ONU em 2007 e hoje
saiu a decisão. O resultado é uma vitória do Brasil e do mundo, já que é o
primeiro caso de mortalidade materna analisado internacionalmente", explica
Lílian Sepúlveda, vice-diretora do Center for Reproductive Rights, organização
que promove os direitos reprodutivos das mulheres no mundo e levou o caso ao
Comitê da ONU.
Obrigações. A decisão estabelece que o governo brasileiro deve indenizar a
família de Alyne, além de garantir o direito das mulheres aos cuidados
obstetrícios de emergência, oferecer formação profissional adequada aos
profissionais da saúde e punir aqueles que violarem os direitos reprodutivos das
mulheres.
Ainda não foi divulgado o valor da indenização nem o prazo para
pagamento.
"A decisão é importante, pois combate uma múltipla discriminação, já que
Alyne era mulher, negra e pobre", completa Lilian.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), apesar de ter reduzido a
taxa de mortalidade materna na última década, o Brasil ainda é responsável por
cerca de 20% das mortes de grávidas que ocorrem todos os anos na América Latina
e no Caribe. Brasileiras afrodescendentes, indígenas e mulheres solteiras
vivendo nas regiões mais pobres são proporcionalmente as mais afetadas pela
mortalidade materna.
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que o programa Rede Cegonha, lançado em
março deste ano com um investimento de R$ 9,4 bilhões, vai ditar ações
estratégicas para qualificar uma rede de assistência obstétrica. O objetivo é
que a mulher receba assistência integral desde a confirmação da gravidez e até o
segundo ano de vida do filho.
Consequências. Quando morreu, Alyne deixou uma filha de 5 anos. Um tempo
depois, o pai da criança saiu de casa e formou uma nova família. A criação da
menina ficou por conta da avó, Lourdes Silva. "Esperei por nove anos. Eu quase
já não tinha esperança de que algo acontecesse."
Após a morte de Alyne, a filha ficou gaga, perdeu o apetite, precisou ser
trocada de escola e até hoje recebe atendimento de fonoaudióloga e de psicóloga.
Tudo pago pela avó.
Além da determinação da ONU, a família espera decisão da Justiça brasileira
que lhe garanta o direito de reparação.
PARA ENTENDER
Era 12 de novembro de 2002, quando Alyne Pimentel Teixeira, grávida de seis
meses, chegou à Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória, em Belford Roxo, no Rio.
Com náuseas, voltou para casa com a prescrição de um remédio. Retornou no dia
seguinte ao local e foi internada. Uma ultrassonografia mostrou que o feto
estava morto e o parto foi induzido. Dois dias depois, a família foi informada
de que Alyne tinha hemorragia e não conseguia respirar. Transferida de hospital,
morreu no dia seguinte.
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