
Na Câmara, foi aprovado o projeto que flexibiliza a veiculação da Voz do Brasil. No Senado, aprovou-se o projeto que transfere o oligopólio da TV paga no Brasil , até agora sob domínio de grupos nacionais, para o controle do capital estrangeiro que domina as empresas de telecomunicações. Ambos com aplausos da esquerda!
Por Beto Almeida
Na semana passada, a luta pela regulamentação democrática da
comunicação e por sua regulamentação, sofreu duas derrotas gravíssimas: na
Câmara, o projeto que flexibiliza, sem fiscalização, portanto, desregulamenta, a
veiculação da Voz do Brasil, foi aprovado sob monitoramento da ABERT, e , no
Senado, aprovou-se o projeto 116 que transfere o oligopólio da TV paga no Brasil
, até agora sob domínio de grupos nacionais, para o controle do capital
estrangeiro que domina as empresas de telecomunicações. Ambos com aplausos da
esquerda!.
No primeiro caso, o problema da veiculação do programa Voz do
Brasil em horários inadequados para os estados amazônicos com fuso horário
poderia ter sido perfeitamente resolvido com uma medida administrativa no âmbito
da EBC. Uma portaria, uma orientação, que determinasse a gravação do programa
para sua exibição às 19 horas, de acordo com o fuso horário local. Ou seja, não
era necessário punir a esmagadora maioria do público ouvinte para atender uma
necessidade do público minoritário amazônico, situação que poderia ter sido
contornada sem a necessidade de lei que ameaça concretamente o futuro da Voz do
Brasil.
O verdadeiro objetivo do projeto
Fica evidente, assim,
este não era o objetivo, mas sim o de atender aos vorazes apetites dos
conglomerados de comunicação privados sedentos por uma hora a mais de baixaria
radiofônica e pouco jornalismo, pois, como é sabido, a imensa maioria das
emissoras de rádio não cumpre a exigência legal para um mínimo de programação
noticiosa, sequer contratam jornalistas para tal.
Pois agora, se o
projeto vier a ser aprovado como está, o horário das 19 às 20 horas será ocupado
pela programação comercial, consumista e alienante das emissoras ligadas à
Abert, que monitorou atentamente a aprovação do projeto até agora, inclusive na
sua forma à jato no ano de 2010, em ano eleitoral, com o Congresso esvaziado e
sem audiências públicas. O resultado pode ser o pior: um programa de rádio que
pesquisas qualificadas atestam ser considerado de boa qualidade pelo público,
que também manifestou-se esmagadoramente a favor da manutenção do seu horário,
poderá vir a ser extinto. Com isto, milhões de brasileiros deixarão de ter no
horário de costume informações relevantes sobre as decisões do Executivo, do
Judiciário e do Legislativo veiculadas pelo mais antigo programa de rádio do
mundo e que é, na verdade, a única forma de se ter acesso a informações sobre os
poderes públicos, já que jornais e revistas não chegam aos grotões, nem do campo
ou da cidade, nem mesmo ao grande público. Quem vai fiscalizar se 6 mil
emissoras veicularão a Voz do Brasil? Para a autora do projeto isto não é
problema dela, mas do governo. Ela é da base aliada.
Desconhecimento?
Mais, desconhecendo a realidade radiofônica brasileira, a autora afirmou
que as rádios educativas continuarão a veicular o programa, o que significa
jogar o programa no ostracismo, pois estas emissoras são rarefeitas, não
alcançam nacionalmente nem 5 por cento da audiência, estão desmanteladas, sem
potência e são numericamente pouco expressivas. O programa passaria a ser
inaudível! Já em seu horário atual e em cadeia nacional, a Voz do Brasil
alcança, em horário adequado, milhões de brasileiros que não possuem outra forma
alternativa de informação e sem as distorções conhecidas na mídia comercial.

Na semana que passou, por exemplo, foi o programa que melhor e mais
amplamente cobriu a Marcha das Margaridas e a presença da presidenta Dilma no
evento, informando sobre uma pauta relevantíssima das famílias trabalhadoras com
campo junto ao executivo, sendo que o enfoque do rádio comercial, sobre o mesmo
episódio, centrou-se exageradamente apenas na substituição do ministro da área.
Ora, um ministro passa, mas as 70 mil trabalhadoras do campo, que vieram até
Brasília com sua dignidade, seus direitos e suas conquistas, ficam e devem ser
atendidas, crescentemente, pelas políticas públicas. E a sociedade tem o direito
ser informada adequadamente sobre esta expansão de direitos sociais. Isto foi
feito pela Voz do Brasil, no episódio. Sem ele, como a esmagadora maioria das
milhares de emissoras ofereceriam esta informação aos seus
ouvintes?
Desregulamentação
No caso da TV paga o projeto
aprovado, desobriga, desregulamenta, portanto, a veiculação pelas operadoras dos
Canais Básicos de Utilização Gratuita, como as TVs Senado e Câmara, TVs
Comunitárias, Universitárias e Educativas, que era exatamente o principal
aspecto defensável da Lei do Cabo, que também abriu o setor, até 49%, para o
capital estrangeiro. Agora, há não somente a entrega de 100% deste setor de tv
para o capital estrangeiro, dominado por oligopólios, com a ridícula obrigação
de exibir apenas 30 minutos/dia de produção nacional, como se o audiovisual
brasileiro não tivesse, historicamente, sido capaz de ter uma Embrafilme, de
produzir um Pagador de Promessas e tanto talento admirado mundialmente.
Muito mais grave: o projeto foi apoiado pela esquerda que confunde
oligopolização com incentivo à concorrência, quando uma coisa é exatamente a
anulação da outra, como sabemos.
Esquerda esquizofrênica?
O
mais grave das duas derrotas está no fato de que podem ser traduzidas em duas
investidas contrárias à regulamentação que, ultimamente, tem sido palavra de
ordem não apenas nacional, mas internacional do movimento pela democratização da
comunicação. Assim, ao invés de lutar para preservar, qualificar e aperfeiçoar o
espaço público regulamentado há mais de 7 décadas pelo Voz do Brasil - o que é
perfeitamente possível, sobretudo com a introdução de novas tecnologias de
informação e considerando que o programa é feito ao vivo - a esquerda prefere,
esquizofrenicamente, apoiar uma flexibilização, na verdade, uma
desregulamentação que coloca em risco a existência do informativo.

Ao
contrário, não apenas a esquerda, mas todos os setores sociais indignados com a
precariedade e a vulgaridade de um jornalismo distorcido e assumidamente de
pensamento único - contrariando a Constituição - ao invés de apoiar esta tese
tão preciosa para os magnatas de mídia, deveria ,isto sim, lutar para que a Voz
do Brasil tivesse sucursais em todo o país, contratasse muito mais equipes de
reportagens, tornando-se verdadeiramente nacional e ainda mais permeável à
relação das políticas estatais e públicas com a sociedade, num jornalismo
imbuído da ética da missão pública, o que inexiste, salvo exceções, no
jornalismo empresarial.
Enquanto se buscam formas para evitar o pior - um
projeto ainda não foi sancionado e o outro ainda vai ao plenário da Câmara -
ficamos todos com a difícil tarefa de decifrar o enigma de uma esquerda que
prega a regulamentação e a democratização, mas vota pela desregulamentação e a
oligopolização, além da desnacionalização.
Jornalista, Membro da Junta Diretiva da Telesur.
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