Por Rui Martins, de Locarno
Campanha eleitoral racista do Partido do Povo Suíço usa
métodos nazistas.
O presidente do júri do Festival Internacional de
Cinema de Locarno, o produtor português Paulo Branco, qualificou de « fascista »
o filme Vôo Especial, um dos preferidos do público, que recebeu os prêmios do
Júri de Jovens e Júri Ecumênico.
Para Paulo Branco,« esse filme se acompanha de um fascismo comum dentro de
nossa sociedade. O mesmo fascismo que pretende denunciar. É um filme que se
serve de um pretexto inadmissível na Suíça, mas que, ao mesmo tempo, não
confronta jamais os carcereiros, mas são eles que, afinal de contas, executam a
expulsão, que provoca a morte de um dos expulsos. O que eu acho intolerável .
Eu responsabilizo completamente o cineasta-diretor por ter feito um filme
fascista ».
O filme, rodado numa prisão de requerentes de asilo e de sem papéis
destinados à expulsão, mostra o dia-a-dia à espera do momento de deixar a Suíça,
num vôo normal, se o estrangeiro aceita, ou num vôo especial, fretado pelo
governo suíço, se o estrangeiro rejeita ser expulso.
No vôo especial, o estrangeiro expulso é tratado como um animal, entravado
pelos pés e mãos, sem poder se mexer, devendo fazer suas próprias necessidades
nas calças durante o tempo de duração do vôo. Três pessoas, expulsas dessa
maneira, já morreram durante o vôo.
O filme mostra dois casos mais flagrantes – um africano ameaçado de
expulsão depois de viver mais de vinte anos na Suíça, embora perfeitamente
integrado com emprego e família, e um kosovar, com 14 anos de Suíça, igualmente
com emprego e família, ambos sem qualquer problema com a polícia ou com a
justiça suíças.
Nos sete meses que passou filmando nessa prisão, Fernand Melgar, o cineasta
filho de imigrantes espanhóis, contou com a colaboração dos responsáveis pela
prisão que, segundo ele, tratavam bem os prisioneiros, mas que a expulsão não
lhes competia, era coisa decidida por voto popular.
O filme vai ser exibido pelas autoridades suíças na África e Kosovo, o que
poderia ser equiparado a dissuadir pessoas interessadas em se arriscar numa
imigração clandestina. Na primeira entrevista com a imprensa, Fernand Melgar
recusou nossa crítica relacionada com a hipocrisia dos carcereiros, argumentando
que eram gentis ao contrário do que ocorria em outras prisões do lado da
Suíça-alemã.
O produtor Paulo Branco demonstrou não ser dessa opinião. Mesmo porque o
filme revelando a política neonazista da Suíça com relação aos imigrantes,
insuflada pelo extremista Partido do Povo, é ambiguo, pois mostra ao mesmo tempo
carcereiros amigos e aparentemente bons, o que dará boa consciência a muitos
espectadores suíços.
Em síntese, Fernand Melgar , filho de imigrantes na Suíça, preocupado em
mostrar a responsabilidade coletiva dos suíços que, por voto majoritário em
referendo, autorizam a execução de uma política racista de imigração, não
percebeu ter sido recuperado pelo sistema suíço, que vai se servir de seu filme
para dissuadir imigrantes clandestinos e confundir os suíços com, como diria
Hanna Arendt, « a banalidade do mal ».
Grande parte a imprensa suíça critica hoje o produtor Paulo Branco por não
ter percebido a ambiguidade do filme, acusando o produtor português de viver uma
reação de extrema-esquerda dos anos 60. O conhecido crítico de cinema Antoine
Duplan, do jornal Le Temps e l´Hebdo, ardoroso defensor do filme Vôo Especial
não viu as nuanças e a recuperação do tema pelo filme, mas cita uma frase do
dramaturgo Friedrich Durenmatt bem apropriada « a Suíça é uma grande prisão e os
suíços seus próprios carcereiros ».
É nesse quadro, de boa consciência com bons carceireiros que se deve também
entender a campanha eleitoral, lançada pelos neonazis do Partido do Povo, com o
cartaz mostrando uma bandeira suíça no chão pisada pelos invasores imigrantes e
a proposição da ministra suíça da Justiça, socialista (!), de obrigar os
professores a denunciarem às autoridades os alunos sem papéis, medida igual a
tomada pelo governo de Adolph Hitler, em 1935, contra os judeus.
Rui Martins, de Locarno, convidado do Festival.
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