Por Altamiro Borges
Talvez incomodada com a queda de audiência da sua emissora e
com o declínio da tiragem do seu jornal, as Organizações Globo divulgaram ontem,
com grande estardalhaço, um longo e enfadonho documento com os seus "princípios
editoriais". Não há qualquer autocrítica sobre a sua longa trajetória. A Rede
Globo é ótima, maravilhosa. O império midiático só perde o posto de
"deus-supremo" para Murdoch.
É interessante observar que, logo na
abertura, a arrogante corporação tenta desqualificar a blogosfera e as redes
sociais. Ela faria um jornalismo "isento", "apartidário", de "qualidade"; já os
internautas fariam "propaganda política". Para atazanar os filhos do Marinho
republico um texto de meados de 2007, que apresenta alguns "errinhos" da Globo
que ferem os seus tais "princípios".
Alguns casos escabrosos da TV
Globo
“Sim, eu uso o poder [da TV Globo], mas eu sempre faço
isso patrioticamente, tentando corrigir as coisas, buscando os melhores caminhos
para o país e seus estados”. (Roberto Marinho).
A tentativa de
manipulação dos resultados das eleições presidenciais de 2006 não é o único caso
escabroso que justifica a reflexão crítica sobre o papel da TV Globo, agora em
discussão devido ao fim do prazo da sua concessão pública em 5 de outubro. Na
sua longa história, esta poderosa emissora já cometeu várias outras barbaridades
na sua cobertura de importantes fatos políticos do país. Com base num
levantamento do professor Venício de Lima, exposto no livro “Mídia, crise
política e poder no Brasil”, destacamos outros três episódios reveladores do
péssimo jornalismo praticado por esta corporação midiática, sempre a serviço dos
interesses das classes dominantes.
Como aponta o autor na abertura do
ensaio, o que distingue a TV Globo de outras redes privadas e comerciais é que,
“sob o comando de Roberto Marinho, ao longo dos anos da ditadura militar, ela se
transformaria em uma das maiores, mais lucrativas e mais poderosas redes de
televisão do planeta. Outorgada durante o governo de Juscelino Kubitschek (1958)
e inaugurada em 1965, a TV Globo do Rio de Janeiro, junto às suas outras
concessões de televisão, viria a constituir uma rede nacional de emissoras
próprias e afiliadas que, não só por sua centralidade na construção das
representações sociais dominantes, mas pelo grau de interferência direta que
passou a exercer, foi ator decisivo em vários momentos da história política do
Brasil nas últimas décadas”.
A fraude contra Brizola
O
primeiro caso lembrado por Venício de Lima ocorreu em 1982, já na fase de agonia
do regime militar. Leonel Brizola, que retornou do seu longo exílio em 1979,
candidatou-se ao governo do Rio de Janeiro. Sua candidatura não agradou à
ditadura nem à direção da TV Globo – conforme denunciou um ex-executivo da
empresa, Homero Sanchez. Segundo ele, Roberto Irineu Marinho, filho do dono e um
dos quatro homens fortes da corporação, havia assumido o compromisso com o
candidato do regime, Moreira Franco. Foi montado um esquema para fraudar a
contagem dos votos através da empresa Proconsult, cujo programador era um
oficial da reversa do Exército.
Nesta trama macabra, a TV Globo ficou com
o encargo de manipular a divulgação da apuração. Mas, já prevendo a fraude, foi
montado um esquema paralelo de apuração, organizado por uma empresa rival, o
Jornal do Brasil. A armação criminosa foi desmascarada, Leonel Brizola foi
eleito governador e a poderosa Rede Globo ficou desmoralizada na sociedade. Até
o jornal Folha de S.Paulo criticou “esta grave e inédita” maracutaia. “O
verdadeiro fiasco em que se envolveu a Rede Globo de Televisão durante a fase
inicial das apurações no Rio de Janeiro torna ainda mais presentes as
inquietações quanto ao papel da chamada mídia eletrônica no Brasil”,
alertou.
Passadas as eleições, mesmo desmoralizada, a Globo continuou a
fazer campanha feroz contra o governador Leonel Brizola, democraticamente eleito
pelo povo. Ela procurou vender a imagem de que ele era culpado pelo aumento da
criminalidade e, sem provas, tentou associá-lo ao mundo do crime. Numa
entrevista ao jornal The New York Times, em 1987, o próprio Roberto Marinho
confessou essa ilegal manipulação. “Em determinado momento, me convenci de que o
Sr. Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou a cidade maravilhosa
que é o Rio de Janeiro numa cidade de mendigos e vendedores ambulantes. Passei a
considerar o Sr. Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Realmente, usei
todas as possibilidades para derrotá-lo”.
Sabotagem das
Diretas-Já
Em 1983, com a ditadura já cambaleante, cresceu a rejeição
dos brasileiros contra a excrescência do Colégio Eleitoral, que escolhia de
forma indireta e autoritária o presidente da República. O jovem deputado federal
Dante de Oliveira apresentou uma emenda constitucional fixando a eleição direta
a partir de 1985. Os militares reagiram. “A campanha pela eleição direta
reveste-se, agora, de caráter meramente perturbador”, esbravejou o
presidente-general João Batista Figueiredo. Apesar desta reação aterrorizante,
milhões de pessoas começaram a sair às ruas para exigir o democrático direito de
votar, na campanha que ficou conhecida como das Diretas-Já.
A TV Globo,
totalmente ligada à ditadura, simplesmente ignorou as gigantescas manifestações.
Chegou a rejeitar matéria paga sobre o protesto das Diretas-Já em Curitiba. Até
duas semanas antes da votação da Emenda Dante Oliveira ela não divulgou nenhum
dos eventos da campanha, que reunia centenas de milhares de brasileiros. No
comício de São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, ela só aceitou noticiar o ato,
que juntou 300 mil pessoas, após conversa reservada entre o presidente do PMDB,
Ulysses Guimarães, e o chefão Roberto Marinho. Mesmo assim, registrou o comício
de maneira distorcida, como se fosse parte da comemoração do aniversário da
cidade.
Somente quando percebeu o forte desgaste na sociedade, com os
manifestantes aos gritos de “o povo não é bobo, fora Rede Globo”, a emissora
começou a tratar da campanha – já na reta final da votação da emenda, em 25 de
abril. Novamente, Roberto Marinho confessou seu crime numa entrevista. “Achamos
que os comícios pró-diretas poderiam representar um fator de inquietação
nacional e, por isso, realizamos apenas reportagens regionais. Mas a paixão
popular foi tamanha que resolvemos tratar o assunto em rede nacional”. O “deus
todo-poderoso” foi obrigado a ceder.
O ministro da TV
Globo
Venício de Lima também relata o curioso episódio da nomeação do
ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, em 1988, o que confirma o poder da Rede
Globo para indicar e derrubar autoridades do governo e para interferir, de
maneira indevida e inconstitucional, nos rumos do Brasil. Numa entrevista à
revista Playboy, o próprio descreveu que a sua indicação foi fruto de uma
negociação entre Roberto Marinho e o presidente da República José Sarney – que,
por acaso, já controlava a mídia no Maranhão, possuindo uma afiliada da TV Globo
no estado. Ainda como secretário do governo, num cargo subalterno, Maílson da
Nóbrega recebeu um telefone emblemático.
“No dia 5 de janeiro, o
presidente me ligou perguntando: ‘O senhor teria problemas em trocar umas idéias
com o Roberto Marinho?’. Respondi: ‘De jeito nenhum, sou um admirador dele e até
gostaria de ter essa oportunidade’... A Globo tinha um escritório em Brasília.
Fui lá e fiquei mais de duas horas com o doutor Roberto Marinho. Ele me
perguntou sobre tudo, parecia que estava sendo sabatinado. Terminada a conversa,
falou: ‘Gostei muito, estou impressionado’. De volta ao ministério, entro no
gabinete e aparece a secretária: ‘Parabéns, o senhor é o ministro da Fazenda’.
Perguntei: ‘Como assim?’. E ela: ‘Deu no plantão da Globo [no Jornal
Nacional]”.
Da mesma forma como indicou, o poderoso Marinho também
derrubou o ministro, segundo sua interpretação. “Um belo dia, o jornal O Globo
me demitiu. Deu na manchete: ‘Inflação derruba Maílson, o interino que durou
vinte meses”, descreve o ex-ministro, que arremata. “Isso teve origem num
projeto de exportação de casas pré-fabricadas, para pagamento com títulos da
dívida externa, que o Ministério da Fazenda vetou. O doutor Roberto Marinho
tinha participação neste negócio... O fato é que O Globo começou a fazer
editoriais contra o Ministério da Fazenda”.
Lista extensa de
crimes
No livro “Roberto Marinho”, escrito pelo bajulador Pedro Bial,
alguns entrevistados, inclusive o ex-presidente José Sarney, afirmam que era
comum o dono da TV Globo ser consultado sobre a escolha de ministros. Pedro
Bial, como fiel servidor da emissora, considera “natural que, na hora de
escolher seus ministros, o presidente [Tancredo Neves] submeta os seus nomes, um
a um, ao dono da Globo”. No recente livro “Sobre formigas e a cigarras”, o
ex-ministro Antonio Palocci também relata que consultou a direção da empresa
sobre a famosa “carta aos brasileiros”, na qual o candidato Lula se comprometia
a não romper os contratos com as corporações capitalistas.
Na prática,
este império interfere ativamente na vida política nacional, seja através de
coberturas manipuladas ou de negociadas de bastidores – nas quais ameaça com o
seu poder de “persuasão”. Além dos três casos escabrosos, Venício de Lima cita
outras ingerências indevidas da TV Globo: “papel de legitimadora do regime
militar”; “autocensura interna na cobertura da primeira greve de petroleiros, em
1983”; “ação coordenada na Constituinte de 1987/1988”; “apoio a Fernando Collor
de Mello, expresso, sobretudo, na reedição do último debate entre candidatos no
segundo turno de 1989”; “apoio à eleição e reeleição de FHC”; “até seu papel de
‘fiel da balança’ na crise política de 2005-2006”, contra o presidente Lula. A
lista dos crimes é bem extensa.
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