O uso de novos métodos para selecionar os melhores óvulos, espermatozoides e embriões dobrou a probabilidade de sucesso para uma gravidez bem-sucedida
Mônica Tarantino
Desde o nascimento do primeiro bebê de proveta, em 1978, a medicina procura
aprimorar os métodos de reprodução assistida, aquela feita no laboratório. Nesse
período, descobertas como a Injeção Intracitoplasmática de Esperma (a sigla em
inglês: ICSI), feita em 1992 – uma injeção que coloca o espermatozoide dentro do
óvulo –, elevaram bastante as chances de ter um filho. “Graças a conquistas como
essa, as chances de engravidar com a ajuda da medicina reprodutiva passaram de
20%, há duas décadas, a 50%, em média, atualmente, para mulheres com menos de 35
anos”, afirma Artur Dzik, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução
Humana. Ou seja, elas cresceram duas vezes e meia nesse período.
O
desafio atual dos especialistas é selecionar os óvulos, os espermatozoides e o
embrião (para que ele tenha maiores chances de se grudar à parede do útero,
possibilitando a evolução da gravidez). No que se refere ao embrião, um dos
recursos mais recentes é uma incubadora onde eles ficam guardados desde a
fecundação até o momento de ser transferidos para o útero. Com uma câmera
acoplada, o equipamento grava e transmite imagens em diversos planos, uma
espécie de big brother. “Isso permite acompanhar seu ritmo de desenvolvimento
sem a necessidade de tirá-lo da incubadora para observação”, diz o ginecologista
Carlos Petta, chefe da área de medicina reprodutiva do Hospital Sírio-Libanês,
em São Paulo. Poupá-lo da manipulação feita a cada oito horas para ser avaliado
é um ponto positivo. “É uma proteção à sua integridade que evita, por exemplo,
mudanças de temperatura”, diz o ginecologista Bruno Scheffer, da Clínica IBRRA,
de Belo Horizonte (MG).
Na opinião de médicos espanhóis do Instituto
Valenciano de Infertilidade, um dos centros de referência mundiais no tratamento
da infertilidade e o pioneiro no desenvolvimento e utilização da incubadora, a
técnica pode elevar em até 20% as chances de gravidez em cada transferência de
embrião – em novembro do ano passado, o instituto anunciou o nascimento do
primeiro bebê concebido com o auxílio do método. Além de evitar a manipulação do
embrião, a possibilidade de acompanhá-lo até o quinto dia após a fecundação é
importante porque muitos param de crescer entre o terceiro e o quinto dia, por
alterações cromossômicas. Se forem transferidos para o útero, a gravidez não
prossegue. E estima-se que metade dos embriões concebidos em laboratório
contenha alguma alteração cromossômica e se perca.

Há mais métodos de análise do embrião. Lançado recentemente, o teste CGH
avalia os 23 pares de cromossomos (estruturas organizadas do DNA e proteínas que
guardam diversos genes) em vez de cinco ou dez pares, como permitiam as técnicas
anteriores. Esse teste, cujo nome completo é Hibridização Genômica Comparativa,
identifica pelo menos 100 doenças genéticas que indicam a necessidade de
descartar os embriões com as alterações. “Se a causa da infertilidade ou do
abortamento for cromossômica e o exame for feito para selecionar o embrião livre
de alterações, as chances de gravidez desse casal com a fertilização in vitro
são bastante elevadas”, explica Jonathas Borges, que coordena o serviço de
medicina reprodutiva do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. “É possível
analisar sequências de DNA provenientes de todos os cromossomos e ter o
resultado em torno de 24 horas”, explica Juliana Cuzzi, gerente do Genesis
Genetics Brasil, laboratório onde o exame também é realizado.
Essas novas
ferramentas estão levando a uma revisão nos critérios para descartar embriões.
“Muitas vezes, os que têm o melhor formato não são os que apresentam o melhor
ritmo de desenvolvimento, o que é um critério importante para a escolha”, diz o
especialista em reprodução assistida Paulo Olmos, do Projeto Alfa, em São Paulo.
Para aprofundar essas análises, estão em andamento estudos do chamado metaboloma
do embrião. Trata-se da análise de proteínas e gases encontrados no meio de
cultura (um caldo de substâncias) em que ele fica mergulhado. Dependendo das
substâncias ali presentes, o desenvolvimento é considerado normal ou não. No
Brasil, testes desse tipo já são realizados na Universidade Estadual de
Campinas. Aliás, o preparo desses líquidos em que o embrião se desenvolve é mais
uma área-chave para o progresso da especialidade. Existe, atualmente, muita
pesquisa para produzir meios de cultura mais semelhantes ao que ocorre no
organismo da mãe.
Orientado por esses princípios, o especialista
Francisco Colucci, de Campos, no Rio de Janeiro, anunciou na semana passada o
nascimento de Maria Vitória, o primeiro bebê brasileiro nascido por meio de uma
técnica conhecida há duas décadas, porém pouco usada no Brasil, a Invo. Colucci
recolheu o óvulo e o espermatozoide e colocou-os em uma cápsula no fundo da
vagina da mãe. Três dias depois, ela foi retirada para avaliar quantos embriões
haviam se formado. A técnica tem baixo custo e é adequada para mulheres jovens
com problemas tubáreos (como no caso de laqueadura) e casais com óvulos e
espermatozoides de boa qualidade.

Uma das aplicações mais importantes desses métodos de triagem é a redução das
gestações múltiplas. “É uma preocupação cada vez maior”, diz o ginecologista
Edson Borges, da Clínica Fertility, de São Paulo. Isso se faz limitando o número
de embriões transferidos para o útero por tentativa. Países como a Dinamarca e a
Suécia, por exemplo, concluíram que é mais econômico para o governo custear
sucessivos tratamentos de fertilização in vitro com a transferência de um único
embrião para a mesma mulher do que custear a internação de gêmeos, trigêmeos ou
quadrigêmeos nascidos prematuramente em UTIs. No Brasil, uma norma do Conselho
Federal de Medicina estabeleceu regras para o número de embriões a ser
transferidos (depende da idade da mulher).
A preservação da fertilidade
feminina é mais um tema que ganha espaço. E o grande avanço nesse sentido é a
vitrificação dos óvulos, uma técnica que substitui o congelamento lento e se
disseminou há cerca de três anos. “Ela permitiu uma revolução na fertilidade
feminina”, diz o médico José Bento de Souza, de São Paulo. O método permite que
o óvulo seja conservado sem sofrer danos, o que amplia as chances de gravidez
quando realizado antes dos 35 anos. No congelamento lento dos óvulos, a
temperatura demora entre 120 e 180 minutos para cair até os 196 graus negativos.
Na vitrificação, o processo leva um segundo. Com isso, não há mais perda de
óvulos e evita-se a formação dos cristais de gelo que danificam as estruturas
dos gametas. Também podem-se guardar embriões vitrificados. “Eles possuem a
mesma eficácia de um embrião fresco na hora da transferência”, assegura o
médico Edson Borges.
No mundo, cresce o número de mulheres saudáveis com
idade inferior a 35 anos que estão recorrendo à vitrificação para ter filhos
mais tarde. “É um benefício do qual elas já podem usufruir se forem bem
orientadas”, diz Artur Dzik. A eficiência da técnica é também um alento para
pacientes em terapia contra o câncer (o tratamento pode criar problemas de
infertilidade). “O fato de conservar os óvulos garante a possibilidade de ter um
filho após a terapia. É uma esperança que também ajuda na recuperação”, afirma a
oncologista clínica Solange Sanches, do Hospital do Câncer A. C. Camargo, em São
Paulo. Nos Estados Unidos, o método já é indicado para pacientes com outras
doenças. “Recomendamos a preservação da fertilidade a pacientes com lupus,
artrite reumatoide e a mulheres com doenças genéticas que causam a perda
prematura de óvulos, como síndrome de Turner”, disse à ISTOÉ Elizabeth Stewart,
da divisão de endocrinologia reprodutiva da Clínica Mayo.

Outro recurso é a avaliação da fertilidade feminina. Ela é feita a partir da
dosagem, no sangue, do hormônio anti-mülleriano. Se estiver alto, indica que
naquele momento a mulher tem uma boa reserva de óvulos. No entanto, é só uma
fotografia do instante e não serve para predizer as chances de sucesso do
tratamento. Os dados desse exame ajudam, ainda, a determinar a quantidade
necessária de medicamento para induzir a ovulação que será dada a essas mulheres
antes da retirada dos óvulos.
O conhecimento das origens da
infertilidade masculina também avança. Em uma das frentes de pesquisa, o
desenvolvimento de um equipamento que aumenta 6,6 mil vezes o tamanho de um
espermatozoide está permitindo o exame do gameta masculino com maior precisão. É
o chamado SuperIcsi. E isso também está levando os especialistas a rever alguns
critérios de escolha. Um dos parâmetros usados nos dias atuais é verificar a
presença de vacúolos na cabeça do espermatozoide. Vacúolos são gotas de material
genético contendo proteínas que podem prejudicar a capacidade reprodutiva do
espermatozoide. “Isso não podia ser visto pelo método que existia anteriormente,
que ampliava 400 vezes o espermatozóide”, diz o urologista e especialista em
medicina reprodutiva Sidney Glina, de São Paulo.
Além disso, cientistas
da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, criaram um método que revela se as
instruções genéticas armazenadas pelo espermatozoide estão intactas ou
danificadas. Depois de estudar as células reprodutivas de 50 homens, o
pesquisador Gabor Huszar constatou que aquelas que mantinham seu DNA intacto
responderam de maneira diferente das que têm algum dano ao ser mergulhadas em
uma solução contendo ácido hialurônico (substância do nosso organismo que
preenche os espaços entre as células). “Nosso método é comparável à seleção
natural realizada pelo óvulo, que só permite a entrada de espermatozoides com
bom material genético”, disse Huszar, que liderou o trabalho publicado no
“Journal of Andrology”.
Muitos outros aspectos interessantes estão na
mira da ciência. A pesquisadora Mylene Yao, da Universidade Stanford, nos
Estados Unidos, por exemplo, desenvolveu um modelo matemático para prever
as chances de êxito na segunda tentativa de FIV. “Usamos 10 a 15 informações
clínicas para fazer a estimativa”, disse ela à ISTOÉ. A cientista está deixando
seu cargo de docente na universidade. Ela quer se dedicar a uma companhia que
fundou com a intenção de fabricar o programa de computador desenvolvido por ela,
para fazer esse cálculo e, dessa maneira, torná-lo disponível aos
especialistas.



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