Para ABTO, que pela primeira vez analisou casos de negativa familiar, número reflete falta de informação dos brasileiros sobre o que é a morte cerebral e despreparo das equipes no momento de abordar parentes
Fernanda Bassette
Apesar das inúmeras campanhas de incentivo à doação de órgãos no Brasil,
metade das 1.736 famílias abordadas no primeiro semestre deste ano se recusou a
efetivar a doação, segundo dados mais recentes da Associação Brasileira de
Transplante de Órgãos (ABTO).
Segundo a ABTO, o número reforça a importância de programas educacionais para
a população e de treinamento para os entrevistadores. Essa é a primeira vez que
a associação analisa os casos de negativa familiar levando em consideração o
número exato de entrevistas feitas e não o número de potenciais doadores - já
que nem todas as famílias chegam a ser consultadas.
Por exemplo: no ano passado, a Bahia registrou 346 potenciais doadores e 107
famílias negaram a doação: 30,9%. Se for considerado o número de entrevistas
feitas, o porcentual aumenta. No primeiro semestre de 2011, foram registrados
174 potenciais doadores, mas apenas 102 entrevistas foram feitas. Houve 66
recusas familiares - 64,7%.
O Maranhão é outro exemplo. Em 2010, eram 111 potenciais doadores e 37
negaram a doação, o que gerou 33,3% de recusa. Nos primeiros seis meses de 2011,
foram identificados 40 potenciais doadores, mas apenas 14 famílias foram
entrevistadas. Dessas, 11 negaram a doação - o que elevou a negativa para
78,6%.
Segundo Ben-Hur Ferraz Neto, a ABTO mudou a forma de avaliar as negativas
familiares para não gerar porcentuais falsos. "Às vezes não há tempo hábil para
a equipe abordar a família porque o paciente tem uma parada cardíaca antes, o
órgão piora ou o paciente tem outra contraindicação. Essa família não pode
entrar na estatística", diz.
Ainda segundo Ferraz Neto, esse número de negativas é "aceitável" para o
Brasil. Segundo ele, a falta de informação dos familiares sobre o que realmente
é a morte cerebral, o despreparo da equipe no momento de abordar a família e até
a cultura brasileira são fatores que interferem.
Heder Murari Borba, coordenador nacional da Central de Transplantes do
Ministério da Saúde, diz que o número de entrevistas familiares têm aumentado e
as negativas oscilam de acordo com o atendimento que a família recebeu enquanto
o paciente estava vivo.
"Se a família foi mal atendida durante a internação daquele paciente, isso
reflete diretamente na recusa em doar. É um dado subjetivo, que varia
muito."
Doador efetivo. Apesar de as negativas familiares ainda serem altas, o número
de doadores efetivos atingiu o recorde dos últimos oito anos. Pela primeira vez
o Brasil superou a marca de 10 doadores por milhão.
No primeiro semestre deste ano, 983 doadores tiveram seus órgãos
transplantados (o que representa 10,3 doadores por milhão de pessoas). No mesmo
período de 2010, foram 936 doadores efetivos com órgãos transplantados (9,9 por
milhão).
Segundo Borba, a meta é chegar a 15 doadores efetivos com órgãos
transplantados por milhão de pessoas. A Espanha, referência no assunto, registra
35 doadores por milhão. "Com capacitação e treinamento, a meta do ministério é
dobrar o número absoluto de transplantes até o fim de 2015", afirmou.
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