Por Venício A. Lima
Esperava-se que os acontecimentos envolvendo o tablóide “News of the World” –
que se espraiam não só para outros veículos do News Corporation, mas também para
outros grupos de mídia na Inglaterra e, talvez, em outros países – provocassem
algum tipo de reflexão crítica por parte da grande mídia brasileira, seus
parceiros e defensores.
O que temos visto, no entanto, é uma postura quase agressiva de,
sem mais (1) atribuir o ocorrido a ação criminosa de apenas alguns
indivíduos que não representariam um comportamento rotineiro da grande mídia;
(2) insistir que os fatos não podem servir de exemplo para a defesa
da regulação do setor ou comprovar a ineficiência da autorregulação; e
(3) acusar aqueles que discordam de pretenderem amordaçar a imprensa e
cercear a liberdade de expressão.
Na verdade, a postura da grande mídia brasileira e de seus parceiros e
defensores não deveria constituir surpresa. O histórico de rejeição sistemática
à democratização do setor e de recusa ao diálogo tem sido uma de suas
características. Hoje, tornou-se trivial executivos dos grandes grupos
midiáticos darem declarações e/ou entrevistas acusando dispositivos da
Constituição de 88 de serem normas autoritárias e de censura. Mas, no caso
presente, o grau de resistência a enxergar o óbvio – que tem sido objeto de
reflexões em todo o planeta – é realmente assustador.
Questões sem resposta
Por que a idéia de qualquer regulação do
setor, a exemplo do que existe em outros países democráticos, incomoda tanto a
grande mídia brasileira?
Por que o único critério para aferir a universalidade da liberdade de
expressão é a não interferência do Estado no mercado oligopolizado de mídia e
não a pluralidade de vozes que tem acesso ao espaço público?
Por que, diante de qualquer proposta de regulação, ressurge o argumento
clássico liberal de que o melhor remédio é sempre mais liberdade quando se sabe
que esse remédio, muitas vezes, sufoca o debate público e impede a manifestação
exatamente das vozes que se oporiam ao discurso dominante?
Por que o debate dessas questões continua interditado na grande mídia
brasileira que oferece espaço apenas para seus parceiros e aliados e não
enfrenta o contraditório de suas posições?
Onde está a resposta?
A resposta a essas questões talvez esteja no
poder de facto que a grande mídia consegue articular em torno de si mesma. Seus
interesses estão de tal forma imbricados com aqueles das oligarquias políticas e
de setores empresariais que permanecem intocáveis. E mais: são apresentados e
justificados publicamente em nome de liberdades que são bandeiras verdadeiras da
democracia.
Infelizmente, continuamos muito distantes do verdadeiro exercício
democrático. O liberalismo brasileiro sempre foi excludente e continua tendo
pavor de qualquer tentativa republicana do Estado no sentido de permitir maior
participação popular na formulação e fiscalização das políticas públicas, em
particular, nas comunicações. Por isso a idéia dos conselhos de comunicação –
nacional, estaduais e municipais – é combatida de forma tão virulenta.
A consciência que vem das ruas
O que a grande mídia não consegue
mais controlar, todavia, é o aumento da consciência sobre a importância do
direito à comunicação nas sociedades contemporâneas. A exemplo das explosões
populares que tem ocorrido em outras partes do planeta, sintomas do fenômeno
começam a ocorrer aqui mesmo na Terra de Santa Cruz, com a fundamental mediação
tecnológica das TICs.
Para além do entretenimento culturalmente arraigado – simbolizado pelas
novelas e pelo futebol – cada dia que passa, aumenta o número de brasileiros que
se dão conta do imenso poder que ainda está na mão daqueles que controlam a
grande mídia e que, historicamente, sonega e esconde as vozes e os interesses de
milhões de outros brasileiros.
É o aumento dessa consciência que vem das ruas que explica as pequenas e
importantes vitórias que a sociedade civil organizada começa finalmente a
construir em níveis estadual e local. O melhor exemplo parece ser a aprovação
pela Assembléia Legislativa da Bahia do Conselho Estadual de Comunicação Social
– o primeiro do país – que deve ser instalado em agosto, com participação
majoritária dos movimentos sociais e dos empresários. Existe possibilidade real
de que outros conselhos, já previstos nas constituições estaduais, sejam
instalados em breve.
Esse parece ser o único caminho possível para a democratização da comunicação
no nosso país: a consciência da cidadania. Esse caminho independe da vontade da
grande mídia e de seus parceiros e defensores. Esses continuarão encastelados na
sua arrogância, cada dia mais distantes das vozes excluídas que vem das ruas e
que, felizmente, não conseguem mais controlar.
A ver.
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