Wladimir Furtado, da Conectur, afirma que Fátima Pelaes (PMDB-AP) pediu que ONG 'entrasse só com o nome'
Leandro Colon
MACAPÁ - Wladimir Furtado, dono
da Conectur, entidade
investigada por fraudes com verbas do Ministério do
Turismo no Amapá, revelou ontem em entrevista exclusiva ao Estado que
recebeu uma proposta da deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP)
para ser "laranja" num convênio de R$ 2,5 milhões com o governo federal.

"A deputada queria pegar a Conectur para servir de laranja. Ela gostaria que
a Conectur entrasse só com o nome", afirmou Furtado. "Ela queria fazer o serviço
do jeito dela, que ela tomasse conta, deixasse contador, advogados e técnicos
por conta dela."
Furtado afirmou que preferiu não entregar a responsabilidade da execução do
convênio de R$ 2,5 milhões para Fátima Pelaes: "Eu disse: deputada, não vou
assinar cheque em branco. Depois sou eu que vou prestar contas".
Apesar do suposto cuidado na relação com a deputada, a Conectur, como mostra
a investigação da PF, integrou o esquema de desvio de dinheiro do Ministério do
Turismo. A entidade foi usada para subcontratar as mesmas empresas de fachada
envolvidas no esquema do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de
Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), entidade pivô da Operação Voucher.
Igreja. Além dos R$ 2,5 milhões recebidos do ministério em 2009, a Conectur
recebeu depois R$ 250 mil do Ibrasi a título de "subcontratação". De acordo com
as investigações, a Conectur é o embrião do esquema de desvios de recursos do
ministério no Amapá.
A entidade é registrada numa igreja evangélica - onde Furtado mora. Os R$ 2,5
milhões deveriam ser usados para "Realização de Estudos e Pesquisas sobre
Logística no Turismo no Estado do Amapá, levando em conta a situação das redes
estabelecidas ao redor dos serviços turísticos". Mas, segundo o Tribunal de
Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal, o contrato não foi
executado, além de ter sido palco de desvios para empresas de fachada.
Wladimir Furtado foi preso pela Operação Voucher, e solto na madrugada de
sábado. É a primeira vez que ele admite o envolvimento da deputada no esquema
que levou 36 pessoas à prisão na terça-feira.
No depoimento à PF, Furtado negou qualquer irregularidade e a participação da
parlamentar. Ontem, decidiu dar mais detalhes ao Estado. "A deputada queria que
eu assinasse o convênio em branco", disse, na entrevista.
Supremo. O advogado de Furtado, Maurício Pereira, disse que vai requisitar
que todo o inquérito da Operação Voucher seja enviado ao Supremo Tribunal
Federal (STF), onde Fátima Pelaes tem foro privilegiado. Na opinião dele, seu
cliente não pode mais nem ser denunciado na primeira instância, como planeja o
Ministério Público Federal. "Se há indícios de participação da deputada Fátima,
a competência é do STF. Tem que subir tudo para lá", disse o advogado.
O Estado procurou a assessoria da peemedebista para comentar o teor da
entrevista de Furtado, mas não houve retorno até o fechamento da edição. Ela tem
negado as acusações de envolvimento com o esquema.
Cheque em branco. O teor da entrevista de Wladimir Furtado tem sintonia com
pelo menos quatro depoimentos de pessoas presas na operação policial. De acordo
com os relatos, incluindo os da secretária e do tesoureiro da Conectur, a
entidade serviria apenas para intermediar o contrato com o Turismo e parte do
dinheiro seria entregue a Fátima Pelaes.
Apadrinhada. O Ibrasi foi beneficiado por duas emendas parlamentares da
deputada que somam R$ 9 milhões. Já o convênio direto da Conectur com o
Ministério do Turismo não teve emenda, mas, segundo Wladimir Furtado, também foi
intermediado pela parlamentar do PMDB.
Coube à ex-secretária do Turismo do Amapá Deuzanir Ribeiro, apadrinhada da
deputada, orientar Wladimir Furtado a se cadastrar no ministério para receber o
dinheiro.
Comprovantes. O dono da Conectur mostrou ontem ao Estado documentos que,
segundo ele, comprovariam a execução dos serviços previstos no convênio. Havia
relatórios, imagens e gravações de pesquisas.
O Ministério do Turismo aprovou a prestação de contas, mas sem fiscalização
"in loco", ou seja, apenas avalizou os papéis, sem atestar se são verdadeiros.
Na documentação mostrada ao Estado estava um extrato bancário do dia 7 de maio
de 2009, quando a entidade tinha R$ 1,3 milhão na conta.
Entre os sócios de fachada das empresas que faziam os supostos serviços no
Amapá está, por exemplo, o empresário Fábio de Mello, uma espécie de "lobista de
ONGs" em Brasília e que também foi preso pela Operação Voucher.
Foi Fábio de Mello quem orientou os passos da Conectur dentro do ministério.
Ele foi apresentado a Furtado por Deuzanir Ribeiro. Os encontros ocorreram num
restaurante e num hotel em Brasília.
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