O vazamento de petróleo no litoral do Rio de Janeiro foi um
alerta. O que fazer para evitar uma catástrofe ambiental na exploração do
pré-sal
MARTHA MENDONÇA, COM NELITO FERNANDES

LONGE DOS OLHOS
Barco da Chevron ajuda a dispersar o óleo no mar do Rio. Países como Canadá e
Noruega têm sistemas de monitoramento constante das manchas no mar (Foto:
Márcia Foletto/Ag. O Globo)

As fotos de satélites e as imagens aéreas do
vazamento de petróleo no litoral do Rio de Janeiro rodaram o mundo. Mas elas
ainda não mostram toda a dimensão do problema. Até a última quinta-feira, a
Agência Nacional de Petróleo (ANP) estimava que, desde o dia 7 de setembro,
cerca de 400.000
litros tinham vazado da plataforma da Chevron do Campo do
Frade, na Bacia de Campos. Um volume pequeno se comparado a outros casos,
nacionais e internacionais. Mas o suficiente para revelar que o Brasil não está
preparado para enfrentar esses acidentes. E é isso o que mais preocupa agora.
Em alguns anos, o pré-sal vai multiplicar as operações de exploração e produção
no mar. Há uma década, os negócios com petróleo no Brasil movimentavam 2% do
Produto Interno Bruto (PIB). Hoje movimentam 12%. Até 2019, estima-se que a
produção nacional de petróleo mais que dobre. As novas explorações serão mais
complexas, em águas ainda mais profundas e mais distantes do continente. Para
minimizar os riscos e conter futuros vazamentos, várias mudanças serão
necessárias, a partir das lições do acidente da Chevron. Eis as mais
importantes:
Definir as
responsabilidades dos órgãos reguladores
Como é hoje – Não existe um plano de ação que defina
o papel dos órgãos envolvidos: ANP, Ibama, Marinha, Ministério da Justiça e
governos dos Estados produtores. Os papéis foram definidos em 2000 por um
projeto, o Plano Nacional de Contingência (PNC), feito em conjunto pelos
ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da Pesca e da Justiça. Mas o
plano nunca foi regulamentado. Sem essas normas, os órgãos envolvidos ficam sem
rumo.
Como deve ser – O primeiro passo é determinar quem é
responsável por cada parte das atribuições, nos mais variados cenários. Os
Estados Unidos e o Canadá têm planos assim. Argentina e Venezuela também. Pelo
plano da Argentina, a Prefectura Naval, guarda costeira de lá, é a responsável
pela coordenação da ação de emergência. Todos os outros órgãos se reportam a
ela. Qualquer aviso de contaminação, potencial ou real, vai para a Prefectura
Naval. Isso facilita o monitoramento pelos órgãos públicos e também por
entidades independentes, como universidades e ONGs. E reduz as chances de as
empresas de petróleo se esquivarem. No Canadá, a responsável pelas respostas às
emergências no mar, segundo o PNC vigente, é a Guarda Costeira. Ela realiza
exercícios de simulação de acidentes regularmente, envolvendo as empresas e as
comunidades.

Garantir que a empresa
está preparada
Como é hoje – As empresas são obrigadas a apresentar
ao Ibama equipamentos e planos mostrando que têm tecnologia e pessoal para
casos de acidente. Esses programas de contingência são chamados de Planos de
Emergência Individuais (PEIs). Só com anuência do Ibama as empresas recebem as
licenças para atuar. Mas, uma vez apresentados os PEIs, não há fiscalização
para averiguar se a empresa atualizou os equipamentos ou manteve os
treinamentos.
Como deve ser – A apresentação do plano de emergência
não dispensa o monitoramento frequente. A empresa pode ter listado em seu plano
um navio para conter vazamentos de óleo. Mas esse navio pode ter sido deslocado
para outra área ou mesmo outro país. O plano da empresa precisa ser conferido
regularmente. E ela também precisa realizar simulações de acidentes onde atua.
Obrigar as empresas a
agir em conjunto
Como é hoje – Segundo um decreto de 2003, as
empresas de petróleo que atuam numa mesma área devem ter um plano de emergência
conjunto. Em caso de vazamento, as empresas vizinhas devem emprestar
equipamentos e pessoal treinado. É o Plano de Área. Na prática, ele não é
feito. “Não se ouve falar deles, em nenhum aspecto”, diz a engenheira química
Alessandra Magrini, da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe )
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não há qualquer estratégia
de atuação em conjunto.”
Como deve ser – Planos de Área precisam ser cobrados,
em troca da licença ambiental, da mesma forma que os PEIs. Esses planos podem
incluir até colaboração entre empresas de países vizinhos. Argentina e Uruguai
têm acordos para atuação conjunta, assim como Estados Unidos e Canadá.
Vigiar o tempo todo
Como é hoje – As atividades de prospecção e
exploração são realizadas por várias empresas, em áreas longe do litoral, e
pouco frequentadas por algum agente independente, como pescador, pesquisador ou
barco de turismo, que possa dar um alarme. O Brasil também não tem um sistema
para monitorar dia a dia as atividades petrolíferas na costa. Os funcionários
dos órgãos reguladores dependem muitas vezes das próprias empresas para ficar
sabendo dos acidentes em alto-mar.
Como deve ser – O Brasil poderia desenvolver um
sistema de monitoramento do petróleo equivalente ao que existe para acompanhar
queimadas e desmatamento na Amazônia. Esse sistema foi criado pela Embrapa e
pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais usando os mesmos satélites que
forneceram as imagens do vazamento da Chevron. Outra estratégia é destacar
fiscais para residir em plataformas e navios de produção de petróleo. Algo
semelhante ao que ocorre nas usinas nucleares de Angra dos Reis, no Rio de
Janeiro. “Também é preciso haver uma sala de controle de poluição por óleo, que
centralize esses dados”, diz a procuradora Telma Malheiros, que implantou e
chefiou por quatro anos a coordenação de óleo e gás do Ibama, responsável pelo
licenciamento ambiental no setor.

APRENDIZADO
Um mergulhão sujo com petróleo numa praia da Baía de Guanabara.Após o acidente
em 2000, a
Petrobras criou equipes de prontidão
(Foto: Domingo s Peixoto)

É o que fazem outros países. Na Alemanha, as
450 plataformas de produção são monitoradas por aviões que fotografam 15.000 quilômetros
quadrados do Mar do Norte por dia. O governo também analisa imagens de
satélite, atualizadas três vezes por semana. Na Noruega, uma agência
governamental, a Autoridade de Controle de Poluição, usa imagens de satélite.
Ela tem tecnologia capaz de identificar mesmo as manchas pequenas, com apenas 100 metros de largura. O
Canadá, com a maior costa do mundo, combina patrulhas aéreas e marítimas para
coibir irregularidades.
Historicamente, os avanços em prevenção só vieram depois de grandes catástrofes
ambientais. Foi o caso do naufrágio do petroleiro Exxon Valdez, em 1989, que
encalhou na costa do Alasca e espalhou 43 milhões de litros de petróleo por 28.000 quilômetros
quadrados de mar. A fauna da região, incluindo aves, focas e leões-marinhos,
foi dizimada. O caso mostrou as falhas nos planos de emergência dos Estados
Unidos. Depois do acidente, a Agência de Proteção Ambiental americana criou um
cronograma para que os petroleiros adotassem o casco duplo, que reduz as
chances de um vazamento num tanque do navio chegar ao mar. As empresas também
foram obrigadas a usar rebocadores para guiar os petroleiros pelos estreitos do
Alasca.
No ano passado, a pressão por regras mais
rígidas aumentou com o acidente da BP no Golfo do México. O governo americano
foi acusado de lentidão e má gestão dos esforços para conter a mancha. O
presidente Barack Obama admitiu que errou ao permitir que o setor se
autorregulamentasse e cancelou uma nova prospecção na região. O Brasil também
aprendeu alguma coisa com acidentes. Em 2000, uma falha em uma das tubulações
da Refinaria Duque de Caxias, da Petrobras, causou o derramamento de 4 milhões
de litros de óleo na Baía de Guanabara. O acidente poluiu praias, provocou a
morte de animais e causou prejuízos à população que vivia da pesca. Mas também
inaugurou uma nova fase de investimentos da empresa em prevenção. Depois dele,
a Petrobras instalou centros de defesa ambiental no país, que funcionam com
pessoal de prontidão dia e noite, com barcos, balsas, recolhedores e milhares
de metros de barreiras de absorção e contenção de óleo.
Nada disso é garantia de segurança total. A exploração
em águas profundas, no limite do alcance e do conhecimento humano, é sempre
arriscada. O pior cenário para um acidente é o que houve no Golfo do México,
quando a boca do poço estourou a 1.500 metros de profundidade, e o petróleo
ficou jorrando no mar descontroladamente. Não havia tecnologia para conter o
vazamento. A BP levou três meses de tentativas e erros até conseguir montar uma
caixa de concreto, do tamanho de um prédio de três andares, com 40 toneladas,
que finalmente tampou o poço. Se algo semelhante acontecer aqui, a empresa
responsável precisará de um recurso semelhante, que não está disponível agora.
“Nem o Brasil nem o mundo estão preparados para estancar algo daquele volume
rapidamente”, diz Segen Estefan, diretor de tecnologia e inovação da Coppe.
Segundo ele, o país poderia ter capacidade para construir um tampão parecido em
alguns dias. “Não se pode ficar desmaiando toda hora que surge um vazamento,
porque é impossível evitá-lo”, diz. “O importante é saber o que fazer para
minimizar os danos.”
(Fotos: Lee Celano/Reuters e AP Photo)
(Fotos: Lee Celano/Reuters e AP Photo)
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