Por Carlos Alberto Sepúlveda em 'Diário de Alexandria'
Li, na minha longínqua infância, uma história em quadrinhos
cujo enredo muito me impressionou. Tratava-se da história de um mundo
subterrâneo que repetia, para meu espanto, o próprio mundo sobreterrâneo, numa
espécie de platonismo invertido.
Referia-se
a um mundo por baixo da terra onde habitavam seres estranhos, constituintes de
uma civilização esquecida, porém devotada à preservação de incorruptíveis
valores. O mundo subterrâneo era composto de homens e mulheres devotados à
poesia, à música, às artes, embora mantivesse um exército de excepcionais
guerreiros cuja missão era a defesa da integridade e do segredo dos
subterráqueos.
A cidade
debaixo da terra era formada de intermináveis labirintos e imensos salões onde
sábios anciões reuniam-se para orientar o destino dos povos da superfície. A
missão precípua dos subterráqueos era manter a humanidade longe de seu fim por
meio das lições de sabedoria, da ética e da salvação.
A
humanidade visível dependia desta luta secreta entre a devota missão dos sub e a distraída resistência dos sobre.
Embaixo, atravessando infinitos
corredores, ora gotejantes e sombrios, ora claros e imaculados, os habitantes
trabalhavam, educando e depurando a refinada população composta de milhares de
seres humanos trajados de branco.
Sempre que
necessário, um dos subterráqueos subia à superfície para, como num sonho,
orientar e interferir na vida dos humanos no mundo superior.
Então, os
conflitos, as misérias humanas e, principalmente, o princípio da preservação da
nossa espécie deviam-se a estas oníricas intermitências. O mundo oculto,
preservado nos subterrâneos, era responsável pela solitária grandeza do homem.
Sua humanidade, desde sempre, era o resultado de uma luta secreta, de devoção a
uma outra humanidade; essa, oculta sob os escombros da Terra.
Enfim,
encontrava-se nova razão para os sonhos: revelar o homem a si mesmo a partir de
um franco sentimento de amor ao próximo.
Apesar de
um mundo tectônico, secreto, não revelado, era ele o responsável final por uma
nova humanidade.
Em meus
delírios infantis (tinha talvez meus oito anos), a aurora de minha vida, de que tenho
saudades, era esta humanidade do submundo que existia, para tornar a vida
possível.
Neste
mundo, eu era protagonista. Vestido de branco, com as mãos brancas, caminhando
por nuvens brancas, eu trazia a mensagem branca da salvação...
Depois, não
sei mais que fim levou esta humanidade
secreta, mas, de vez em quando, eu ainda acho que vivo enterrado na imensa
claridade de luz mediterrânea de todas aquelas virtudes.
Viver,
muitas vezes vale a pena, porque a esperança habita o surpreendente ventre da
terra. Mas quem se importa?
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