Empobrecimento explícito
Deputados e ex-parlamentares condenados pelo STF transferem imóveis e empresas a parentes e amigos para tentar driblar a Justiça e não ter que devolver o dinheiro público desviado no esquema do mensalão
Izabelle TorresDeputados e ex-parlamentares condenados pelo STF transferem imóveis e empresas a parentes e amigos para tentar driblar a Justiça e não ter que devolver o dinheiro público desviado no esquema do mensalão

A estratégia de transferir a propriedade de bens para impedir que sejam usados para ressarcir o dinheiro desviado segue o modelo de conduta do empresário Marcos Valério, condenado a 40 anos de prisão e multa de R$ 2 milhões. Mesmo com o patrimônio bloqueado pela Justiça, ele continuou comprando carros e imóveis em nome da filha de 21 anos para driblar a lei. O Ministério Público Federal chamou a atenção do Supremo sobre os riscos de ele movimentar recursos, mas não deu a devida atenção aos parlamentares envolvidos na denúncia. De acordo com um dos ministros, as transferências de propriedades feitas por alguns dos condenados poderiam ter sido evitadas com bloqueios preventivos. Para o especialista em lavagem de dinheiro e professor da PUC-RJ Breno Melaragno, apesar da possibilidade de rastrear o patrimônio transferido para familiares, essas manobras dificultam o processo de ressarcimento, uma vez que torna mais difícil comprovar que o dinheiro “lavado” foi usado para aumentar o patrimônio do condenado. “A pena prevê a comprovação de que os valores transferidos eram fruto dos recursos originários do crime. É isso que torna difícil a execução de penalidades que incluam o confisco de bens. Em casos em que o condenado fez transferências de propriedades no curso das investigações, esse rastreamento fica ainda mais complexo e lento”, avalia.


Essa dificuldade ajuda mensaleiros dispostos a movimentar milhões para proteger suas fortunas da Justiça. O deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), por exemplo, reduziu o patrimônio de forma considerável. A declaração de bens apresentada à Receita antes das investigações em nada lembra a lista patrimonial do parlamentar este ano. Valdemar era dono de duas mineradoras, cinco imóveis e outros bens que somavam oficialmente R$ 5 milhões. O deputado, que recebeu R$ 8,8 milhões das empresas de Marcos Valério, se desfez da maioria das propriedades. Em dezembro de 2008, transferiu um apartamento para a ex-mulher e doou o imóvel onde mora para os filhos, fazendo uma ressalva de usufruto vitalício em seu nome. O parlamentar também deixou a participação em empresas e colocou gente de confiança em seu lugar. Quando o STF concluir o julgamento e determinar as penas do deputado, encontrará em seu nome apenas uma casa, um túmulo no cemitério e um sítio. Em sua defesa, Costa Neto afirma que seus bens não são produto dos crimes pelos quais foi condenado. A maioria dos ministros considerou que o ex-líder do PL (atual PR) na Câmara cometeu os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva ou formação de quadrilha.
Longe da política desde 2010, quando foi derrotado na eleição a deputado estadual em Minas Gerais, o ex-integrante do PTB na Câmara Romeu Queiroz também tem reduzido ano a ano o milionário patrimônio que detinha quando o mensalão foi denunciado. Na época, Queiroz tinha oito fazendas, um haras, pelo menos quatro apartamentos em Belo Horizonte, um flat em Brasília e outros bens que somavam R$ 3 milhões. Em 2003, abriu duas empresas de locação de automóveis para prestar serviços a prefeituras mineiras e, dois anos depois, se tornou consultor. Ao longo das investigações do processo, passou parte das fazendas para os três filhos e reduziu as suas cotas nas empresas em benefício da esposa. Com patrimônio equivalente à metade do que tinha quando o escândalo estourou, Queiroz não é dono sequer do apartamento onde mora, no bairro de Lourdes, na capital mineira.

O patrimônio em nome do ex-presidente do PP Pedro Corrêa também foi dissolvido no decorrer das investigações do mensalão. Em 2004, ele era proprietário de 18 apartamentos, duas casas, dois flats e duas fazendas. Atualmente, o pernambucano mantém em seu nome apenas um prédio, cujo usufruto registrado no cartório do 1º oficio do Recife pertence ao filho e à nora. Corrêa deixou a política, mas conseguiu eleger a filha Aline Corrêa deputada federal. No Estado, mantém domínio sobre o PP estadual e é considerado rico e influente.
A dificuldade para mapear os bens que servirão para ressarcir os cofres públicos será ainda maior quando chegar a vez de o ex-deputado Carlos Alberto Rodrigues, o Bispo Rodrigues, prestar contas à Justiça. Antes detentor de patrimônio cujo valor ultrapassava R$ 19 milhões, o bispo mantém atualmente apenas 50% de participação acionária na Rádio Jornal da Cidade e na Divisa Serviços. As ações em outras empresas desapareceram. Após deixar a Igreja Universal, ele teve de entregar uma casa luxuosa onde vivia no bairro do Lago Sul, área nobre de Brasília, para outro pastor. Em seu nome, não há imóveis e o patrimônio declarado atualmente não ultrapassa R$ 2 milhões. De acordo com a maioria dos integrantes do STF, o bispo cometeu crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

O Supremo Tribunal Federal ainda não definiu qual será a quantia a ser paga pelos condenados que se beneficiaram de recursos do Fundo Visanet e de empréstimos fraudulentos do Banco Rural. Mas especialistas destacam a importância da execução das penas impostas para o fortalecimento da nova Lei de Lavagem de Dinheiro. Segundo o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues, as mudanças na legislação ampliaram as ocorrências do crime e aumentaram as penalidades. “Nosso papel é detectar operações suspeitas e notificar os órgãos competentes. Foi isso que fizemos nesses casos. Acho que vale ressaltar que a simples transferência de um bem não livra ninguém de ter de ressarcir o erário. Cabe à Justiça trabalhar para fazer valer a lei”, ressalta.

Colaborou Pedro Marcondes de Moura
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