Empregador poderá demitir e recontratar antes do prazo de três meses, como previa a legislação
Por MARTHA IMENES
As relações trabalhistas mudaram novamente por conta da pandemia de coronavírus. Desta vez, patrões poderão demitir e recontratar funcionários que não saíram por justa causa antes do período de três meses durante a crise sanitária. Mas o que é visto pelo governo como fôlego para as empresas desperta desconfiança de especialistas. Isso ocorre porque a portaria permite que o novo contrato de trabalho seja diferente do anterior. Ou seja, abre brecha para demissão sem justa causa e recontratação com remuneração mais baixa ou jornada de trabalho diferente.
É importante ressaltar que a Reforma Trabalhista de Michel
Temer, em vigor desde novembro de 2017, e uma portaria do Ministério do
Trabalho datada de 1992, não permitiam a recontratação antes de 90 dias,
justamente para impedir que se demitisse e recontratasse com salário menor.
"A recontratação poderá se dar em termos diversos do
contrato rescindido quando houver previsão nesse sentido em instrumento
decorrente de negociação coletiva", diz um trecho da portaria assinada
pelo secretário especial de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia,
Bruno Bianco.
Sem fiscalização
O grande X do problema, segundo o advogado Sérgio Batalha, é
a falta de fiscalização trabalhista após a extinção do Ministério do Trabalho.
"Na prática, a regra estimula algumas fraudes, especialmente em um momento
no qual a fiscalização está ausente ou, no mínimo, muito reduzida",
adverte Batalha.
Ele alerta que "o empregador que recontratar um
empregado demitido como Pessoa Jurídica, pela CLT, ou o mantiver sem carteira
assinada durante um período para recontratar depois está violando a legislação
trabalhista e pode ser processado na Justiça do Trabalho".
Batalha explica que "o empregado recontratado apenas com
o salário menor ainda na projeção do seu aviso prévio ou muito pouco tempo
depois (um mês ou dois), pode reclamar uma unicidade contratual e pedir
diferenças relativas ao salário ilegalmente reduzido". Ou seja, o empregado
pode pedir a correção dos valores na Justiça.
Questionado pelo jornal O DIA sobre a brecha para fraudes, o Ministério da Economia
informou que "a portaria autoriza apenas a recontratação do trabalhador
como empregado e nas mesmas condições do contrato rescindido".
'Seiscentão' só sai se
tiver orçamento
Um ponto destacado pela especialista em Direito do Trabalho,
Danielle Motta, é o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 que deveria ser
pago aos trabalhadores. Os que tiveram contrato formalizado até 1º de abril
deste ano fazem jus ao auxílio emergencial de R$ 600 pelo período adicional de
um mês, contado da data de encerramento do período inicial de três meses de
recebimento.
"Além de todas as repercussões negativas que as medidas
trazem às garantias do trabalhador, como encampada desde as primeiras medidas
provisórias, o artigo 7º traz uma grande insegurança à classe trabalhadora pois
condiciona o pagamento do benefício emergencial às disponibilidades
orçamentárias governamentais", alerta a especialista.
"Todas essas alterações são oriundas de um momento
excepcional, não sendo admitida a cultura da menor proteção ao trabalhador no
futuro", adverte Danielle.
Acordos prorrogados por 30 e 60 dias
O decreto publicado ontem pelo governo Bolsonaro prevê ainda
que os acordos de suspensão do contrato de trabalho podem ser prorrogados por
mais 60 dias e da redução de jornada e salário, por mais 30 dias. Ou seja,
serão 120 dias, no total, para as duas modalidades. "Os períodos já
usufruídos pelos trabalhadores serão descontados", aponta a advogada
Danielle Motta.
A medida já está em vigor e retroage ao início da pandemia e
vale para todas as demissões feitas desde 20 de março. As novas regras duram
até o fim do período de calamidade pública, previsto para acabar em 31 de
dezembro e 2020.
As empresas que adotaram a medida, não poderão demitir os
funcionários que tiveram suspensão de contrato de trabalho e redução de jornada
e salário pelo mesmo período. Ou seja, se foram três meses de salário menor,
terá 90 dias de estabilidade.
Medidas para pequenas empresas
A decisão do governo de ampliar o prazo para redução de
salário e de jornada, além da suspensão do contrato de trabalho até o fim da
pandemia, só seria realmente eficaz se fossem tomadas ações para garantir a
sobrevivência de pequenas empresas e pequenos negócios. O alerta é do advogado
Rodrigo Tavares Veiga.
Segundo sua avaliação, toda medida que busca a preservação de
emprego e renda deve ser vista como positiva. Mas adverte: "É muito
pouco".
"É fundamental que o governo faça chegar o crédito das
instituições financeiras, sobretudo os bancos públicos, aos pequenos e médios
empresários, dando condições de continuar seus pequenos negócios e a manutenção
dos postos de trabalho".
"O governo não pode onerar o pequeno empresário e
penalizar o trabalhador. Sem a sobrevivência do pequeno negócio, não se pode
falar em suspensão de contrato ou prorrogação de menor jornada de trabalho. Se
torna uma medida sem efeito", finaliza.
Fonte: O Dia
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